Livro: PERFORMANCE, RECEPÇÃO, LEITURA.
Autor: Paul Zumthor.
Bolsista: Ana Caroline de
Jesus Santos.
FICHAMENTO
Cap. 1 - Performance, recepção e
leitura
“A forma da canção de meu camelô de outrora
pode se decompor, analisar, segundo as frases ou a versificação, a melodia ou a
mímica do intérprete. Essa redução constitui um trabalho pedagógico útil e
talvez necessário, mas, de fato (no nível em que o discurso é vivido), ele nega
a existência da forma. Essa, com efeito, só existe na "performance".
(Pg. 29)
“Está fortemente
marcada por sua prática. [...] objeto de estudo é uma manifestação cultural,
lúdica não importa de que ordem (conto, canção, rito, dança), a performance é
sempre constitutiva da forma.” (Pg.30)
“As regras da
performance - com efeito, regendo simultaneamente o tempo, o lugar, a
finalidade da transmissão, a ação do locutor e, em ampla medida, a resposta do
público.” (Pg.30)
“Muitas culturas
no mundo codificaram os aspectos não verbais da performance e a promoveram
abertamente como fonte de eficácia textual. Em outros termos, performance
implica competência. Mas o que é aqui a competência? À primeira vista, aparece
como savoirjaire. Na performance, eu diria que ela é o saber-ser.” (Pg
31)
“ [...]
performance é reconhecimento. A performance realiza, concretiza, faz passar
algo que eu reconheço, da virtualidade à atualidade. (pg31)
“A performance se
situa num contexto ao mesmo tempo cultural e situacional: nesse contexto ela
aparece como uma "emergência", um fenômeno que sai desse contexto ao
mesmo tempo em que nele encontra lugar.” (pg 31).
“A performance e o
conhecimento daquilo que se transmite estão ligados naquilo que a natureza da
performance afeta o que é conhecido. A performance, de qualquer jeito, modifica
o conhecimento. Ela não é simplesmente um meio de comunicação: comunicando, ela
o marca.” (Pg 32)
“[...] ler possui
uma reiterabilidade própria, remetendo a um hábito de leitura, entendo não
apenas a repetição de uma certa ação visual, mas o conjunto de disposições
fisiológicas, -psíquicas e exigências de ambiente (como uma boa cadeira, o
silêncio ... ) ligadas de maneira original para cada um dentre nós, não a um
"ler" geral e abstrato, mas à leitura do jornal, de um romance ou de
um poema.” ( pg 32)
“Segundo: no uso
mais geral, peiformance se refere de modo imediato a um acontecimento
oral c gestual. Daí certas consequências metodológicas para nós, quando
empregamos o termo nesses casos em que a própria noção de oralidade tende a se
diluir e a gestualidade parece desaparecer.” (Pg 38)
“[...] utilizando
o conceito de performance, o que buscamos questionar não é uma origem; é nesse
engano que pesquisadores interessados nas culturas do terceiro mundo tratam-na
como qualquer coisa de historicamente primitiva.” (Pg 42).
“No caso do ritual
propriamente dito, incontestavelmente, um discurso poético é pronunciado, mas
esse discurso se dirige, talvez, por intermédio dos participantes do rito, aos
poderes sagrados que regem a vida; no caso da poesia, o discurso se dirige à
comunidade humana: diferença de finalidade, de destinatário; mas não da própria
natureza discursiva. (Pg 45 e 46)
“A
performance é então um momento da recepção: momento privilegiado, em que um
enunciado é realmente recebido. Quando do enunciado de um discurso utilitário
corrente, a recepção se reduz à performance: você pergunta o seu caminho, e lhe
respondem que é a primeira rua à direita.” (Pg 50)
“A recepção, eu o
repito, se produz em circunstância psíquica privilegiada: performance ou
leitura. É então e tão-somente que o sujeito, ouvinte ou leitor, encontra a
obra; e a encontra de maneira indizivelmente pessoal.” (Pg 52)
“O
texto vibra; o leitor o estabiliza, integrando-o àquilo que é ele próprio.
Então é ele que vibra, de corpo e alma. Não há algo que a linguagem tenha
criado nem estrutura nem sistema completamente fechados; e as lacunas e os
brancos que aí necessariamente subsistem constituem um espaço de liberdade:
ilusório pelo fato de que só pode ser ocupado por um instante, por mim, por
você, leitores nômades por vocação. Também assim, a ilusão é própria da arte.”
( Pg.53)
“Transmitida
a obra pela voz ou pela escrita, produzem-se, entre ela e seu público, tantos
encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores.” (Pg. 55)
“Tal é, em nossa civilização, o
meio natural de toda “literatura”; poesia desde o instante em que ela se forma
até aquele em que é “recebida””. (Pg.59)
“A leitura se
desenrola sobre o pano de fundo do barulho de voz que a impregna. Para o homem
do fim do século xx, a leitura responde a uma necessidade, tanto de ouvir
quanto de conhecer. O corpo aí se recolhe. É uma voz que ele escuta e ele
reencontra uma sensibilidade que dois ou três séculos de escrita tinham
anestesiado, sem destruir.” (pg. 60)
“O
poema assim se "joga": em cena (é a performance) ou no interior de um
corpo e de um espírito (a leitura).” (Pg. 61)
“A analogia é esclarecedora; e o
modelo teatral, em nossa cultura, representa toda poesia, na própria
complexidade de sua prática.” (Pg. 61)
“Escrito, o texto
é fixado, mas a interpretação permanece entregue à iniciativa do diretor e,
mais ainda, à liberdade controlada dos atores, de sorte que sua variação se
manifesta, em última análise, pela maneira como é levado em conta por um corpo
individual.” (Pg.62)
“Por isso, porque
ela é encontro e confronto pessoal, a leitura é diálogo. A
"compreensão" que ela opera é fundamentalmente dialógica: meu corpo
reage à materialidade do objeto, minha voz se mistura, virtualmente, à sua. Daí
o "prazer do texto"; desse texto ao qual eu confiro, por um instante,
o dom de todos os poderes que chamo eu. O dom, o prazer transcendem necessariamente
a ordem informativa do discurso, que eles eliminam depois.” (Pg.63)
“[...] na história
de um texto poético, distinguir vários momentos: o momento de sua formação, depois,
necessariamente [...] há a transmissão. Esta propicia a recepção. Depois
ele se conserva,' em consequência da outra característica própria do
texto poético, desalienar-se no que se refere às limitações do tempo. Em
seguida, teremos outras recepções, em número indefinido: eu as reúno sob o
termo reiteração. Em cada um desses momentos, o suporte pode ser tanto a
palavra viva quanto a escrita.” (Pg. 65)
“A diferença
essencial entre os dois modelos de comunicação que elas realizam reside em que,
em situação de oralidade pura, se mantém, de momento a momento, uma unidade
muito forte, da ordem da percepção.” (Pg. 66)
“A leitura se aprende, nos
entretemos com ela; ela exige esforço e constância; na linguagem corrente, a
palavra cultura designa o hábito, seus efeitos.” (Pg. 67)
“A leitura
"literária" não cessa de trapacear a leitura. Ao ato de ler
integra-se um
desejo de
restabelecer a unidade da performance, essa unidade perdida para nós, de
restituir a plenitude por um exercício pessoal, a postura, o ritmo
respiratório, pela imaginação. Esse esforço espontâneo, em vista da
reconstituição da unidade, é inseparável da procura do prazer.” (Pg. 67)
“A performance é
ato de presença no mundo e em si mesma. Nela o mundo está presente.[...] não se
pode falar de performance de maneira perfeitamente unívoca e há lugar aí para
definir em diferentes graus, ou modalidades: a performance propriamente dita,
gravada pelo etnólogo num contexto de pura oralidade;” (Pg. 67)
“O livro não pode
ser neutro, uma vez que é "literatura", e se dirige a ele, ao leitor,
pela leitura, um apelo, uma demanda insistente. Pouco importa aqui saber se
essa demanda é justificada. Para além da materialidade do livro, dois elementos
permanecem em jogo: a presença do leitor, reduzido à solidão, e uma ausência
que, na intensidade da demanda poética, atinge o limite do tolerável.” (Pg. 68)
“Poderíamos assim
distinguir vários tipos de performance,[..] Um deles é a performance com
audição acompanhada de uma visão global da situação de enunciação. É a
performance completa, que se opõe da maneira mais forte, irredutível, à leitura
de tipo solitário e silencioso.
Um outro se define
quando falta um elemento de mediação, assim quando falta o elemento visual,
como o caso da mediação auditiva (disco, rádio), da audição sem visualização.
Em situações desse gênero, a posição entre performance e leitura tende a se
reduzir.” (Pg. 69)
“A performance dá
ao conhecimento do ouvinte-espectador uma situação de enunciação. A escrita
tende a dissimulá-la, mas, na medida do seu prazer, o leitor se empenha em
restituí-Ia.” (Pg 69 e 70)
“Na medida em que a poesia tende a colocar
em destaque o significante, a manter sobre ele uma atenção contínua, a
caligrafia lhe restituiu, no seio das tradições escritas, aquilo com que
restaurar uma presença perdida.” (Pg. 73)
“Da performance à leitura, muda a
estrutura do sentido. A primeira não pode ser reduzida ao estatuto de objeto
semiótico;” (Pg.75)
“A
análise da performance revelaria assim os graus de semanticidade; mas trata-se,
antes, de um processo global de significação. O texto escrito, em compensação,
reivindica sua semioticidade. Só o "estilo" como tal escapole daí em
parte.” (Pg.75)
“O mundo me toca,
eu sou tocado por ele; ação dupla, reversível, igualmente válida nos dois
sentidos. Essa idéia, eclipsada durante um certo tempo, renasce hoje, em uma espécie
de volta do rechaçado, e, sem dúvida, ligado ao conjunto de fenômenos
contemporâneos que se embrulham sob o termo duvidoso de pós-modernidade.”
(Pg. 77)
“É pelo corpo que o sentido é aí
percebido. O mundo tal como existe fora de mim não é em si mesmo intocável, ele
é sempre, de maneira primordial, da ordem do sensível: do visível, do audível,
do tangível.” (Pg. 78)
“Não há ciência do
corpo; há a biologia, a anatomia e o resto, conjunto virtualmente infinito, mas
não uma ciência do corpo como tal; ainda menos metafísica do corpo. O corpo não
pode jamais ser totalmente recuperado.” (Pg. 79).
“O corpo permanece
estranho à minha consciência de viver. É o ambiente em que me desenvolvo. Os
fatos corporais não são jamais dados plenamente nem como um sentimento, nem
como uma lembrança; no entanto, não temos senão o nosso corpo para nos
manifestar.” (Pg. 80)
“A
presença se move em um espaço ordenado para o corpo, e, no corpo, rumo a esses
elementos misteriosos aos quais nos dirigem as flexas que tento aqui esboçar,
sem que seja possível determinar, de maneira precisa, o lugar para onde elas
convergem.”
(Pg.
81)
“A linguagem
corrente, fora de toda idéia preconcebida do que é a "poesia",
emprega, às vezes, a propósito de um texto literário, expressões tais como:
esse poema ou esse romance, ou essa página meJala, me diz. Ou então
invocamos o tom de tal autor.” (Pg.82)
“[...]valores da voz tornam-se os
da própria linguagem, desde que ela seja percebida como poética. E esse
reconhecimento é independente do fato de que o texto seja (fisicamente ou por
um efeito da imaginação) apreendido pelo ouvido ou pronunciado interiormente.”
(Pg.84)
“O ouvido, com
efeito, capta diretamente o espaço ao redor, o que vem de trás quanto o que
está na frente. A visão também capta, certamente, um espaço; mas um espaço
orientado e cuja orientação exige movimentos particulares do corpo. É por isso
que o corpo, pela audição, está presente em si mesmo, uma presença não somente
espacial, mas Íntima. Ouvindo-me, eu me autocomunico.” (Pg. 87)
Cap 2. A
imaginação Critica.
“Estamos
em plena crise de veridicidade. Nem a filosofia nem a história se referem mais ao
verdadeiro. Isto mede a imensidão de uma distância, sobretudo a partir de
Saussure e Hjemslev. Perdemos o direito de falar de "ciências" do
homem: não somente o direito, mas o gosto.” (Pg. 94)
“[...] o apelo ao
pluralismo metodológico, inclinando-o à ambiguidade dos discursos construídos sobre
o mundo. O saber se reinterioriza, graças à anulação dos "valores de
uso", ao retorno do sujeito, ao triunfo da individuação sobre a ideação,
do deslize sobre a ruptura.” ( Pg. 96)
“O velho problema
da adequação do método a seu objeto se coloca em termos muito diferentes de outrora,
mesmo quando ainda se coloca. Não há objeto em si: essa proposição adquiriu, em
nossos dias, valor axiomático. Só há uma relação entre o sujeito pesquisador e
aquilo a propósito de que ele se interroga.” (Pg. 96)
“No entanto, a
apreensão que, às vezes, apaixonadamente tentamos, implica o corpo:
comprometido pelos poderes psíquicos que ele possui e condiciona, mas também
pela operação concreta (mesmo simplificada por nossas técnicas) da mão e do
olho; [...].” (Pg. 99)
“A questão é a da
natureza de um conhecimento. O que queremos saber, e qual será o estatuto do
que teremos aprendido?
Importa clarificar
de vez a perspectiva, desde que recorramos ao paradoxo. A operação de todo historiador
é da ordem da arte.” (Pg. 99)
“A ciência parte
de uma observação; o saber, de uma experiência que falta articular (como se
exprime nosso jargão) em discurso: isto é, em testemunho, pois (enquanto a
ciência só se interessa pelo reiterável e só se apossou dele) o saber procede
de uma confrontação comovente com o objeto, de um esboço de diálogo com o que
ele tem de único.” (Pg.100)
“A ciência, nossa
ciência, pretende, é verdade, trabalhar na ordem do necessário; em verdade, na
falta de um projeto global ela se abandona ao acaso e, complementarmente,
gera-o; desconfia, todavia, como de produtos aleatórios, da arte e da poesia,
dos quais provém a única globalidade concebível, mas que não concerne a ela; a
única necessidade verdadeira, mas que ela não saberia pensar.” (Pg.101)
“O que esta
sociedade espera de nós, pesquisadores, é a produção de um saber lúdico. E
esta última palavra, em tal contexto, denota menos a puerilidade que a
infância, os valores ontológicos ligados aos primeiros olhares lançados ao
mundo, ao maravilhamento e ao sentimento de soberana liberdade que procedem do
primeiro desdobrar-se de um conhecimento.” (Pg. 103)
“O saber é um
longo, lento sabor. Espontaneamente, nossos contemporâneos o evitam, ávidos que
são, ou que se tornaram, de história imediata.[...] A única questão é a de uma
corporeidade (interiorizada) do conhecimento: uma implicação, na própria ideia
e linguagem que ele traz (e talvez a suscite), da visão, da audição e do
inefável contato do qual nasce o amor; ritmos do sangue e do batimento das
vísceras, inseparáveis de todo surgimento de uma imagem.” (Pg. 104)
“A
"imaginação", faculdade "poética", age segundo duas
modalidades. Ela parte de uma apreensão, intensamente concreta, do real
particular, mas esta apreensão se faz acompanhar (sem que os tempos nisto se
distinguam sempre) de uma colocação das coisas e de uma recomposição dos
elementos percebidos, em virtude de analogias diversas: da sorte destaca-se, de
maneira inesperada, relativamente à exigência do instante presente, a
necessidade verdadeira.” (Pg. 105)
“Procuro minha
própria história na singularidade do meu objeto; e ele encontra em mim, como em
prospectiva, a sua. Encontra uma paixão: a minha; aquela em que meu discurso
conseguirá talvez comunicar à minha volta.” (Pg. 108)
“E em sua
qualidade de narração que o discurso mantido pelo historiador declara sua
relação com o lugar singular de sua dupla origem. Só assim há uma chance de dar
a sentir uma presença e, talvez, uma beleza (para além de todas as decodificações
que propõe).” ( Pg. 108 e 109)
COMENTÁRIO:
O livro, Performance, Recepção e Leitura trás uma
linguagem rica em reflexões e indispensável àqueles que estudam a oralidade em
ação, a leitura e a performance, aspectos abordados no teatro. De qualidade
densa, sem deixar se dissipar a teoria do lado humanista e conceitos traçando o
caminho entre temas tratados tornando-o mais dinâmico através da proposta do
autor Paul Zumthor adotanto métodos de análise sensível.
No texto, ele adota como ideia primária em seu livro,
a performance, considerando assim a
forma de comunicação da leitura e a partir deste ponto faz uma ponte entre a
leitura, recepção e performance literária e o leitor sobre a obra identificada.
Assim a leitura como situação de oralidade, sendo a
formação e a recepção pela audição desta e performance a próxima fase, a ação
da leitura e recepção. Performance, é o agir, como sentido e sentimento de
extensão, onde o que se expõe é o que se lê e vice-versa.
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