TEATRO ALÉM DA SALA DE AULA: A PRÁTICA
TEATRAL EM ESPAÇOS ALTERNATIVOS DA ESCOLA
André Silva dos Santos[1]
RESUMO
Este artigo tratará de uma temática que está presente na vida dos
professores de teatro e, mais precisamente, na esfera educacional que permeia e
que há em nosso país, portanto, este trabalho trará uma reflexão sobre o lugar
destinado à prática das aulas de teatro na escola. Todo professor de teatro
desejaria ter em seu campo de trabalho, ou seja, na escola, um espaço destinado
somente às aulas de teatro; um espaço que fosse arejado, confortável, onde seus
alunos pudessem falar sobre a vida, onde eles pudessem brincar, correr e, acima
de tudo, teatralizar, mas, a dificuldade de encontrar um lugar com estas
descrições está cada vez mais difícil, mesmo diante das conquistas de
arte-educadores e pesquisadores de teatro para com esta disciplina. Diante de
tal problemática, como trabalhar teatro em uma instituição educacional com
estruturas pré-estabelecidas? Afinal, existem limites espaciais para a prática
do teatro? Para respondermos a estes questionamentos e,compreendermos o espaço
escolar, adoto como metodologia de pesquisa a pesquisa-ação e a desenvolvo n.o
Colégio Estadual Odorico Tavares, situado na cidade de Salvador. Dialogo com
autores como Anna Mantovani, Johann Huizinga, Jean Pierre Ryngaert, Viola
Spolin e outros. Neste
trabalho, pensa-se a influência que o espaço pode oferecer para a criação, não
importando a condição em que o mesmo se encontra, mas, sim a forma como o
professor estimula o aluno a despertar suas emoções diante de tais
circunstâncias. Talvez, seja mais interessante aproveitar as dificuldades da
escola, como também transcender com o teatro para além da sala de aula, afinal
de contas, o teatro é feito para ser visto.
Palavras-chave: Espaços alternativos; Pedagogia do Teatro; Limites
espaciais.
1. APRESENTAÇÃO
O tema deste trabalho faz parte de um assunto que permeia o dia-a-dia da
maioria dos professores de teatro, principalmente aqueles da rede pública de
ensino, que encontram em seus ambientes de trabalho a dificuldade para a
realização de suas aulas.
A escolha deste tema de pesquisa nasce da inquietação obtida a partir de
experiências em sala de aula proporcionadas pelo o Curso de Licenciatura em
Teatro da UFBA. A princípio, fui professor de uma escola particular no
município de Simões Filho, cidade vizinha de Salvador, em seguida passei a
lecionar teatro no programa de iniciação à docência PIBID, onde pude perceber
outra realidade, não muito diferente da anterior.
Durante o período que estive atuando
no programa PIBID, pude entender de perto o papel da “disciplina de teatro” na
escola, sobretudo, seu posicionamento em tais ambientes. No estágio do 5º
semestre realizado no Colégio Estadual Odorico Tavares, situado, também, na
cidade de Salvador, comecei a colocar em prática, através de uma pesquisa-ação,
os primeiros passos para o desenvolvimento da minha pesquisa. Investigava o
teatro além da sala de aula; um teatro experimentado no pátio da escola, no
corredor, nas escadarias, ou até mesmo, na própria sala de aula aproveitando de
todas as dificuldades que pudessem ser encontradas.
Nesta pesquisa, foram usadas
metodologias baseadas no ensino do teatro no meio escolar, tais como: jogos
teatrais, jogos dramáticos e improvisações. Ainda buscou-se a definição de
espaço físico, espaço lúdico e espaço alternativo. Além destes, ainda adotei o
conceito de teatro-político cunhado por Augusto Boal em sua obra A Estética do Oprimido, dialogando com os
resultados das improvisações, que foram baseadas no contexto escolar, como também
nas vivências dos alunos.
As obras, Jogos Teatrais na Sala de Aula: O Livro do
Professor e Improvisação para o
teatro de Viola Spolin, como também, Homo
Ludens de Johann Huizinga, me ajudaram no decorrer do trabalho, na
sistematização dos jogos teatrais para a prática do teatro. Buscava a
partir das improvisações, despertar o espaço-lúdico, situado na imaginação dos
alunos-atores e alunas-atrizes.
Jean
Pierre Ryngaert em seu livro O Jogo
Dramático no Meio Escolar, compõe esta pesquisa no que tange as
dificuldades encontradas nos espaços escolares. Na página 159 á 160, por
exemplo, são abordadas situações tanto sobre a utilização do espaço, como
também a relação do corpo no espaço. Utilizaram-se, ainda, registros de aulas, relatórios,
fotos e entrevistas com os alunos.
Nesta pesquisa foi pautada pela busca das formas de levar o ensino do teatro
para além da sala de aula. Uma investigação que é norteada pelas seguintes
perguntas: Existem limites espaciais para a prática teatral na escola? Como trabalhar o teatro em escolas
com estruturas físicas já estabelecidas? Como se apropriar de um espaço com
todas as dificuldades que o mesmo nos oferece? Como despertar a ludicidade do
aluno se apropriando da influência que o espaço propõe?
A partir da atuação dos alunos nos espaços-alternativos, foi possível a
criação de cenas baseadas nas vivências deles, sobretudo, no contexto da onde
estavam inseridos. O objetivo maior era orientar os alunos a improvisarem nos
espaços, mesmo com todas as dificuldades.
A decisão de levar o teatro para além da sala de aula surge ainda, da
lembrança de obras como Cenografia de
Anna Mantovani, que foi sugestão de leitura no 3° semestre do curso de
Licenciatura em Teatro da UFBA. A autora deixa claro que o espaço teatral pode
ser em qualquer lugar, nada diferente do que investigo aqui, “na verdade, o
espetáculo pode ser apresentado em qualquer lugar, desde a praça a um lugar
alternativo — um galpão, por exemplo--, e não necessariamente um teatro institucionalizado.”
(MANTOVANI, 1989, p.7)
2. O AMBIENTE DA PESQUISA
Este trabalho foi desenvolvido durante minha atuação no Subprojeto de
Teatro no Programa de Iniciação a Docência, PIBID, no Colégio Estadual Odorico
Tavares, situado na Avenida Sete de Setembro, Corredor da Vitória, na cidade de
Salvador, Bahia.
O bairro onde está localizado a instituição é constituído de residências
de classe média alta, porém a mesma atende a uma clientela que vem dos diversos
bairros periféricos de Salvador e Região Metropolitana. A sua estrutura física
comporta salas de aula com TVs instaladas e que são utilizadas pela maioria dos
professores como ferramenta pedagógica. Possui, ainda, laboratórios voltados
para a área das ciências (Química, Física, Biologia e Ciências); possui
cantina, sala de xerox, entre outros. A instituição tem uma práxis voltada para
o Ensino Médio, do 1° ao 3° ano.
Mesmo oferecendo uma boa estrutura para o ensino, a instituição tem um
alto índice de evasão de seus alunos, sendo este um dos motivos que leva a
promover aula somente no turno Matutino.
O Colégio Estadual Odorico Tavares sempre acolheu o PIBID Teatro, fazendo
com que a instituição se tornasse uma das favoritas nas escolhas do Pibidianos,
tornando-a uma das mais concorridas na cidade de Salvador.
Por ser uma instituição de grande
porte, o Colégio Estadual Odorico Tavares possibilitou muitas possibilidades de
trabalho. Mesmo assim, busquei espaços que não eram comuns no dia-a-dia dos
alunos, por exemplo, a sacada de um dos andares.
O primeiro passo foi sondar os espaços, através de uma visita rápida.
Depois, apresentei um questionário com algumas perguntas sobre o colégio e a
perspectiva de cada aluno dentro do ambiente em que estavam inseridos, por
exemplo, qual é o espaço (lugar) que você mais gosta dentro dessa escola? Por
quê?; Para você, qual é o espaço menos interessante dentro da escola? Por quê?;
Qual espaço da escola que te desperta curiosidade? Descreva um pouco sobre a
sua escolha.
A partir de tais questionamentos e suas respectivas respostas dadas pelos
alunos foi possível pensar e planejar aulas para o 1° ano do Ensino Médio.
3. OS PRIMEIROS MOMENTOS: O TEATRO NA SALA DE
AULA COMUM
Após perceber as
inquietações, desejos e argumentos dos alunos, desenvolvi algumas aulas na sala
comum, proporcionando neste primeiro momento o trabalho coletivo, a confiança,
o respeito, que servirá como base para as aulas em outros espaços.
Era preciso perceber o
ritmo do grupo, entender as dificuldades, o empecilhos, como diz a Madalena Freire,
Cada grupo tem seu jeito de lidar, viver o tempo de que dispõe. Cada
grupo tem seu ritmo e sua organização no tempo e no espaço em que vive. Cada
grupo passa necessariamente por períodos de crise, confusão, tranquilidade ou
acomodação. Esses momentos expressam os movimentos do processo de aprendizagem:
apreensão, confusão e elaboração. (FREIRE, 2008, pg.160)
A realidade dos alunos
do 1° ano turma 3 , não era diferente da que estamos acostumados a trabalhar.
São adolescentes que, em sua maioria, não vêem na arte possibilidades de
aprendizagem. Preferem “filar aula” ao invés de estar presente na sala.
Enquanto alguns queriam participar, outros se acomodavam na rotina a qual
estavam “mecanizados”.
Sendo assim, este
primeiro momento além de ajudar a entender o grupo, me ajudou, ainda, a
entender o termo “espaço-lúdico”, a partir da utilização dos jogos teatrais,
jogos dramáticos e improvisações. Foi o momento dado a criatividade dos alunos
e alunas. Johann Huizinga foi
de grande valia na definição de espaço-lúdico, ao abordar sobre ludicidade em
sua obra Homo Ludens. Para ele a ludicidade
é uma atividade ou
ocupação voluntária, exercida num certo nível de tempo e espaço, segundo regras
livremente consentidas e absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si
mesmo, atividade acompanhada de um sentimento de tensão e alegria, e de uma
consciência de ser que é diferente daquela da vida cotidiana. (HUIZINGA, 2000, p.33)
Com
estímulos dados através de objetos e fragmentos de textos, o espaço físico da
sala de aula se resumia em diferentes criações e situações que, na maioria das
vezes, representavam violência ou o uso de drogas.
Embora
o ambiente da sala de aula não fosse o espaço real da situação criada, era
possível entender os objetivos e contexto de cada cena, pois algumas regras e
instruções eram dadas, tais como: onde?, quem?, o quê?, quando?. Quando o grupo
tinha consciência destas pequenas indicações o resultado ficava mais nítido.
4. O TEATRO ALÉM DA SALA DE AULA NO MEIO
ESCOLAR
O primeiro contato fora da sala de aula aconteceu no segundo andar da
escola, em um lugar onde os alunos eram acostumados a ficar somente na hora do
intervalo.
Em grupo, os alunos foram levados para este espaço e ficaram a observar
durante algum tempo. O objetivo era investigar o espaço de forma minuciosa e
fazer anotações de algumas descobertas ou de coisas que lhes passavam
despercebidas durante o dia-a-dia naquele ambiente.
A metodologia que busco no ambiente educacional visa possibilitar o aluno
para o acesso ao senso crítico. São jogos que envolvem percepção e muita
concentração. A partir das descobertas os alunos são capazes de entender o
ambiente onde estão inseridos, sendo esta, uma forma de ocupação de espaço e
conscientização.
Spolin (2007) traz uma definição muito importante para o entendimento do
universo dos jogos improvisacionais e seus respectivos participantes,
Através do brincar, as
habilidades e estratégias necessárias para os jogos são desenvolvidas.
Engenhosidade e inventividade enfrentam todas as crises que o jogo apresenta,
pois todos os participantes estão livres para atingir o objetivo do jogo a sua
maneira. (SPOLIN, 2007, pg.30)
Então, é durante o ato da improvisação com regras consentidas que surge o
imprevisto. Além de brincar e se distrair, os jogadores desenvolvem habilidades
e criam de forma imperceptível sem o temor da exposição.
A ocupação em tais espaços possibilita ao alunado uma nova reorganização
de seu corpo, uma nova visão de mundo, um novo significado. Segundo a autora
Danielle Rodrigues (2011, pg. 48) “o teatro, entretanto, precisa de um espaço
aberto a experiências que envolvem o corpo, o movimento, os jogos.” Sendo
assim, o fazer teatral possibilita o acesso a qualquer ambiente e complementa
com o que diz Patrice Pavis (2005, pg.132) que o Espaço Lúdico é “criado pelo
ator, por sua presença e seus deslocamentos, por sua relação com o grupo, sua
disposição no palco”.
As situações criadas fora da sala de aula comum se diferenciavam em
alguns pontos das criações feitas dentro da sala. Enquanto as criações dentro
sala de aula estavam voltadas para a realidade deles fora da escola, no
ambiente fora da sala de aula os alunos externalizavam o comportamento do corpo
escolar em relação a eles, por exemplo, o homem da limpeza que age com rebeldia
contra elas.
4.1 A INVENTIVIDADE NO FAZER TEATRAL:
OS REFLEXOS DO ATO POLÍTICO
Levar o teatro para além da sala de aula significou em vários momentos
“despertar o incomodo no corpo escolar” que ali se estruturava.
Não era comum, no entanto, ver os alunos “pulando, correndo e brincando”
no pátio da escola em um horário que não fosse a hora do intervalo. Em vários
momentos ficava nítido a insatisfação de alguns funcionários do colégio em
relação as práticas que aconteciam.
Mesmo com tantos empecilhos as práticas foram feitas. Em alguns momentos, com a utilização de
cadeiras, fizemos círculos de conversa para estudo de texto, por exemplo.
Quando as aulas eram teóricas, sentávamos e conversávamos sobre o assunto.
Após algumas aulas fora da sala de aula, os alunos se sentiam mais
confortáveis e a vontade.
5.
CONCLUSÕES
Durante os dois anos em que estagiei no Colégio Estadual Odorico Tavares
através do Programa de Iniciação a docência PIBID e do estágio do 5° semestre,
pude desenvolver uma pesquisa de cunho prático-teórico.
Busquei levar a prática do teatro para outros espaços da escola, bem
como, buscar uma metodologia para o ensino do teatro além da sala de aula.
Sendo assim, o exercício não era somente fazer teatro em espaços alternativos,
mas, sim, entender e adotar outros espaços para ensinar teatro. Segundo Marcos
Martins (2004, pg.32): “Qualquer espaço físico pode transformar-se em lugar
teatral. Para tal, basta que seja ocupado com, pelo menos, duas entidades:
um ser humano que se metamorfoseia, criando uma ficção, e alguém que vê esta
metamorfose.”
Todos os autores citados sempre me orientaram e ainda me ajudam a
percorrer este caminho do teatro. Percebo que a escola pública oferece muitas
possibilidades de trabalho e investigação.
Hoje ainda continuo desenvolvendo esta pesquisa com um grupo de alunos no
mesmo colégio. A cada encontro percebo que além de aceitarem melhor os
exercícios, eles estão mais sensíveis e disponíveis para o aprendizado.
Além da criação do grupo, ainda pude desenvolver alguns jogos de acordo
com a concepção dos espaços. Os diferentes ambientes elegidos para aula me
vinham como desafios, pois tinha que procurar os jogos e dinâmicas que se
adequassem a tais ambientes.
O registro através de fotos, filmagens, bate papos com alunos e,
principalmente, o diário de bordo, me deu um retorno sobre olhar e o
aprendizado dos alunos.
Por fim, acredito que o “teatro além da sala de aula” pode se tornar uma
boa alternativa para aqueles que encontram suas dificuldades no ensino do
teatro, bem como a todos que queiram transcender com o teatro para além da sala
de aula, com um teatro político.
REFERÊNCIAS
BOAL, Augusto. A estética do oprimido. Rio de Janeiro:
Garamond, 2009.
CABRAL, Beatriz. Drama como
método de ensino. São Paulo, Hucitec, 2006.
FREIRE, Madalena. Aprendizagem, construção do
conhecimento e processo grupal. In Educador. Ed. Paz e Terna, 2008.
HUIZINGA, Johann. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva,
1938.
MANTOVANI, Anna.
Cenografia– São Paulo, SP: Ática,
1989.
MARTINS, Marcos
Bulhões. Encenação em jogo: experimento
de aprendizagem e criação do teatro. São Paulo: Hucitec, 2004.
MORAES, Danielle Rodrigues de. Teatro na Escola: A Reinvenção do
Espaço vigiado. Urdimento N° 17. Setembro de 2011.
PAVIS, Patrice. Dicionario de Teatro. São Paulo:
Perspectiva, 2008.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro.
São Paulo: Perspectiva, 1979.
________:Jogos
teatrais para sala de aula: um manual para o professor. São Paulo:
Perspectiva, 2008.
ANEXOS
[1]
Estudante de Licenciatura em Teatro na Universidade Federal da Bahia, bolsista
de Iniciação Cientifica do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a
Docência – PIBID.
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