Sistema de ensino e plano de educação.
Há, efetivamente, uma íntima
relação entre esses dois conceitos.
Com efeito, o sistema resulta da atividade
sistematizada
Sistema de ensino significa, assim,
uma ordenação articulada dos vários
elementos necessários à consecução dos
objetivos educacionais preconizados
para a população à qual se destina. Supõe, portanto, o
planejamento.
as exigências de intencionalidade e
coerência implicam que o sistema
se organize e opere segundo um plano.
Conseqüentemente, há uma
estreita relação entre sistema de educação e plano de
educação.
Num momento como este que estamos
atravessando, quando, na
conjuntura de implantação da nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, coloca-se pela primeira vez
a questão relativa aos sistemas municipais
de ensino, resulta extremamente
pertinente a questão proposta para
discussão neste artigo. Tentemos,
pois, abordar distintamente cada um dos
dois temas para depois, à guisa de conclusão, proceder à
sua articulação.
O termo “sistema”, em relação à
educação, é empregado com acepções
diversas, o que lhe confere um caráter
de certo modo equívoco. No
entanto, partindo da educação como
fenômeno fundamental, é possível
superar essa aparência e captar o seu
verdadeiro sentido. Com efeito, a
educação aparece como uma realidade
irredutível nas sociedades humanas.
Como assistemática, ela é
indiferenciada, ou seja, não se distinguem
ensino, escola, graus, ramos, padrões, métodos etc
Quando o homem
sente a necessidade de intervir nesse
fenômeno e erigi-lo em sistema,
então ele explicita sua concepção de
educação enunciando os valores
que a orientam e as finalidades que
preconiza, sobre cuja base se definem
os critérios de ordenação dos
elementos que integram o processo
educativo.
Com base nesses critérios pode-se classificar o sistema
educacional:
a) do ponto de vista da entidade
administrativa, o sistema educacional
pode ser classificado em: federal,
estadual, municipal, particular etc.;
b) do ponto de vista do padrão, em:
oficial, oficializado ou livre;
c) do ponto de vista do grau de
ensino, em: primário, médio, superior;
d) do ponto de vista da natureza do
ensino, em: comum ou especial;
e) do ponto de vista do tipo de
preparação, em: geral, semi-especializado
ou especializado;
f) do ponto de vista dos ramos de
ensino, em: comercial, industrial,
agrícola etc.
o conceito de sistema denota um
conjunto de atividades que se cumprem
tendo em vista determinada finalidade,
o que implica que as referidas
atividades são organizadas segundo
normas que decorrem dos valores que estão
na base da finalidade preconizada.
Assim, sistema implica organização sob
normas próprias (o que lhe
confere um elevado grau de autonomia)
e comuns (isto é, que obrigam a todos
os seus integrantes). Ora, os cursos
livres são tais exatamente porque
não se subordinam às normas gerais e
comuns. Dessa maneira, os cursos
livres, por definição, estão fora do
sistema educacional. Logo, não parece
adequado classificar o sistema educacional como oficial,
oficializado ou livre.
Por outro lado, nas sociedades modernas
a instância dotada de legitimidade
para legislar, isto é, para definir e
estipular normas comuns que
se impõem a toda a coletividade, é o
Estado. Daí que, a rigor, só se pode
falar em sistema, em sentido próprio,
na esfera pública. Por isso as escolas
particulares integram o sistema quando
fazem parte do sistema público de
ensino, subordinando-se, em
conseqüência, às normas comuns que lhes
são próprias. Assim, é só por analogia
que se pode falar em “sistema particular
de ensino”.
Cabe observar que as dificuldades em
relação a esse tema decorrem
já do próprio texto constitucional.
Tudo indica que os constituintes procederam
nesse assunto segundo aquela atitude
acima descrita, pressupondo
tacitamente o significado de sistema,
mas sem compreendê-lo de
forma rigorosa e clara.
o termo “sistema” é utilizado em
educação de forma
equívoca assumindo, pois, diferentes
significados. Ao que tudo indica,
o artigo 211 da Constituição Federal
de 1988 estaria tratando da organização
das redes escolares que, no caso dos
municípios, apenas por
analogia são chamadas aí de sistemas de ensino.
Com efeito, sabe-se
que é muito comum a utilização do
conceito de sistema de ensino como
sinônimo de rede de escolas. Daí
falar-se em sistema estadual, sistema
municipal, sistema particular etc.,
isto é, respectivamente, rede de escolas
organizadas e mantidas pelos estados,
pelos municípios ou pela iniciativa
particular.
Obviamente, cabe aos municípios manter
escolas, em
especial de Educação Infantil e de
Ensino Fundamental, o que, aliás,
está prescrito expressamente no inciso
VI do artigo 30 da Constituição
Federal de 1988.
O texto da nova LDB, entretanto,
procurou contornar a dificuldade
apontada, ultrapassando a ambigüidade
do texto constitucional e estabelecendo
com clareza a existência dos sistemas
municipais de ensino. Para
tanto, além do artigo 211 (“A União,
os Estados e os Municípios organizarão
em regime de colaboração os seus
sistemas de ensino”), a LDB terá
certamente buscado respaldo nos
incisos I e II do artigo 30 da Constituição Federal que afirmam,
respectivamente, a competência dos municípios para
“legislar sobre assuntos de interesse
local” e “suplementar a legislação federal
e a estadual no que couber”. Assim, o
inciso III do artigo 11 da LDB
estipula que cabe aos municípios
“baixar normas complementares para o
seu sistema de ensino”.
Cumpre observar, então, que a
definição clara da competência dos
municípios para instituir os próprios
sistemas de ensino flui da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB) e não
da Constituição Federal.
Portanto, não parece procedente a
posição daqueles que entendem
que a LDB, ao tornar opcional a
organização dos sistemas municipais de
ensino, teria enfraquecido a norma
constitucional já que esta não diz que
os municípios poderão organizar seus
sistemas de ensino mas afirma que
deverão fazê-lo (Romão 1997, pp.
21-22). Em verdade, a LDB, ainda que
lhe dê caráter opcional, estabelece
claramente a competência dos municípios
para organizar os próprios sistemas de ensino
Com certeza a LDB introduziu a
possibilidade de
opção à luz de duas evidências, uma no
plano formal e outra no plano real.
Do ponto de vista formal, levou em
conta a ambigüidade da Constituição,
como já se mostrou. Do ponto de vista
real, considerou as dificuldades técnicas
e financeiras que muitos municípios
teriam para organizar a curto ou
mesmo a médio prazo os seus sistemas de ensino
Cabe, pois, a cada município decidir
entre as três possibilidades
previstas na LDB, a saber: a)
instituir o próprio sistema de ensino; b) integrar-se ao sistema estadual de
ensino; c) compor com o estado, no âmbito
de seu território, um sistema único de
educação básica. A opção a ser
adotada deverá ser prevista no plano
educacional do município ao mesmo
tempo em que determinará a forma como
será detalhado o referido plano
educacional. Vejamos, pois, a seguir,
como se situa, no contexto do nosso
país, o tema relativo aos planos de educação.
Planos de educação
A idéia de plano no âmbito educacional
remonta à década de
1930. Sua primeira manifestação
explícita nos é dada pelo “Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova” lançado em 1932.
O “Manifesto”, após diagnosticar o
estado da educação pública no
Brasil afirmando que “todos os nossos
esforços, sem unidade de plano
e sem espírito de continuidade, não
lograram ainda criar um sistema de
organização escolar à altura das
necessidades modernas e das necessidades
do país” (Manifesto 1984, p. 407), irá
enunciar as diretrizes fundamentais
e culminar com a formulação de um
“Plano de reconstrução
educacional”.
Trata-se, no caso em questão, do
conceito de plano entendido
como um instrumento de introdução da
racionalidade científica no campo
da educação em consonância com o
ideário escolanovista para o qual
“os trabalhos científicos no ramo da
educação já nos faziam sentir, em
toda a sua força reconstrutora, o
axioma de que se pode ser tão científico
no estudo e na resolução dos problemas
educativos, como nos da
engenharia e das finanças” (ibid., p.
409).
Esse entendimento influenciou, por
certo, a Constituição Brasileira
de 1934 cujo artigo 150, alínea a),
estabelecia como competência da
União “fixar o plano nacional de
educação, compreensivo do ensino de
todos os graus e ramos, comuns e
especializados; e coordenar e fiscalizar
a sua execução, em todo o território do país”.
A mesma Constituição de 1934 previu,
ainda, no artigo 152, um
Conselho Nacional de Educação, cuja
principal função seria a de elaborar
o Plano Nacional de Educação. Para
atender a essa finalidade o Conselho
Nacional de Educação, criado pelo
Decreto 19.850, de 11 de abril
de 1931, foi objeto de uma
reorganização em 1936, instalando-se o Conselho
reestruturado em 11 de fevereiro de
1937
Do ponto de vista da forma, o referido
“Plano” correspondia ao espírito
da Constituição de 1934 já que aí,
como se assinalou, a idéia de plano
coincidia com as próprias diretrizes e
bases da educação nacional. Quanto
ao conteúdo, entretanto, ele já se
afastava da idéia dos pioneiros que prevalecia,
também, na Associação Brasileira de
Educação, aproximando-se da
orientação que irá predominar durante
o Estado Novo. Assim, enquanto para
os educadores alinhados com o
movimento renovador o plano de educação
era entendido como um instrumento de
introdução da racionalidade científica
na política educacional, para Getúlio
Vargas e Gustavo Capanema
o plano se convertia em instrumento
destinado a revestir de racionalidade
o controle político-ideológico exercido através da
política educacional..
Entretanto, na discussão da LDB
prevaleceu a segunda tendência
que defendia a liberdade de ensino e o
direito da família de escolher o
tipo de educação que deseja para seus
filhos, considerando que a ação
planificada do Estado trazia embutido
o risco de totalitarismo. Em decorrência
dessa orientação, a idéia de Plano de
Educação na nossa primeira
LDB ficou reduzida a instrumento de
distribuição de recursos para os
diferentes níveis de ensino. De fato,
pretendia-se que o Plano garantisse
o acesso das escolas particulares, em
especial as católicas, aos recursos
públicos destinados à educação.
Assim, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, promulgada
em 20 de dezembro de 1961, refere-se a
“plano de educação” no parágrafo
segundo do artigo 92. Após estabelecer
que “com nove décimos dos recursos federais destinados à educação, serão
constituídos, em parcelas
iguais, o Fundo Nacional do Ensino
Primário, o Fundo Nacional do Ensino
Médio e o Fundo Nacional do Ensino
Superior” (parágrafo primeiro), o parágrafo
segundo determina que “o Conselho
Federal de Educação elaborará,
para execução em prazo determinado, o
Plano de Educação referente
a cada Fundo”. Também o artigo 93
define que os recursos constitucionais
vinculados à educação (art. 169 da
Constituição Federal de 1946) “serão
aplicados preferencialmente na
manutenção e no desenvolvimento do
sistema público de ensino de acordo
com os planos estabelecidos pelo
Conselho Federal de Educação e pelos
Conselhos Estaduais de Educação”.
Nesse caso o conceito de “plano” já
assume o significado estrito de
forma de aplicação de determinado montante de recursos
financeiros.
A partir de 1964 o protagonismo no
âmbito do planejamento educacional
se transfere dos educadores para os
tecnocratas, o que, em termos
organizacionais, se expressa na
subordinação do Ministério da Educação
ao Ministério do Planejamento cujos
corpos dirigente e técnico
eram, via de regra, oriundos da área
de formação correspondente às ciências
econômicas.
Dir-se-ia que, se no período de 1932 a
1962, descontados os diferentes
matizes, o plano era entendido, grosso
modo, como um instrumento
de introdução da racionalidade
científica na educação sob a égide
da concepção escolanovista, no período
seguinte que se estende até 1985 a idéia de plano se converte num instrumento
de racionalidade
tecnocrática consoante à concepção tecnicista de
educação.
Em 1993 foi editado o “Plano Decenal
de Educação para Todos”
(Brasil 1993), cuja elaboração foi
coordenada pelo MEC e que pretendeu
se distinguir dos planos anteriores
seja porque não se referia à educação
de uma forma geral mas apenas à
“educação fundamental”, seja porque
buscou não se reduzir a meras normas
de distribuição de recursos. Nesse
sentido procurou traçar um diagnóstico
da situação do Ensino Fundamental
e delinear perspectivas, identificando
os obstáculos a enfrentar,
formulando as estratégias para a
“universalização da educação fundamental
e a erradicação do analfabetismo” e
indicando as medidas assim como
os instrumentos para a sua
implementação. Tendo tomado como referência
a “Declaração Mundial sobre Educação
para Todos” proclamada na
reunião realizada de 5 a 9 de março de
1990 em Jontien, na Tailândia,
assim como ocorreu nesse documento
também o “Plano Decenal” utiliza
as expressões “educação básica” e
“educação fundamental” com significado
equivalente.
Deve-se notar que o plano agora
apresentado pelo MEC explicitamente
se reporta ao Plano Decenal Educação
para Todos, colocando-se,
portanto, como sua continuidade. Um
exame mais detido da proposta do
MEC (Saviani 1998, pp. 80-92) nos
permitirá concluir que, dado o empenho
em reorganizar a educação sob a égide
da redução de custos traduzida na
busca da eficiência sem novos
investimentos, essa proposta se revela um
instrumento de introdução da racionalidade financeira na
educação.
Em contraposição ao plano do MEC foi
formulado no âmbito do
II Congresso Nacional de Educação um
outro plano nacional de educação.
Considerando o empenho em se guiar
pelo princípio da “qualidade
social”.
Enquanto a questão dos sistemas
municipais de ensino dá margem
a diferentes interpretações e
alternativas, indo desde a possível negação
de sua possibilidade até a sua não
instalação por opção do município,
parece não haver dúvida quanto à
possibilidade e, mesmo, à
desejabilidade da elaboração de planos
municipais de educação. Com
efeito, a partir da imposição
constitucional de que os municípios devem
“proporcionar os meios de acesso à
cultura, à educação e à ciência” (Art.
23, V) e “manter programas de educação
pré-escolar e ensino fundamental”
(Art. 30,VI), resulta óbvio que essas
ações devam ser, preferivelmente,
planejadas, isto é, devam ser
implementadas segundo planos previamente
traçados que, a partir do diagnóstico
das necessidades, estabeleçam
metas e prevejam os meios, aí
incluídos os recursos financeiros
através dos quais as metas serão atingidas.
Cumpre observar, todavia, que, se a
legislação de âmbito nacional
não impõe a obrigatoriedade de
elaboração de planos municipais de
educação, ela também não proíbe. E,
como já foi salientado, do ponto de
vista da eficácia das ações do poder público
municipal, resulta imperativo
que as mesmas sejam planejadas.
À luz do exposto, pode-se verificar
que o empenho em organizar
os sistemas de ensino em nosso país
tem origem nas mesmas condições
em que se introduz a idéia de planos
de educação. E isso ocorreu após
a Revolução de 1930 quando foi criado
o Ministério da Educação e Saúde
Pública cujo titular, Francisco
Campos, fez aprovar, em 1931, uma Reforma
Educacional através da qual se
procurava organizar a educação nacional
com caráter de sistema. E em 1932, o
“Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova” irá lançar a idéia de
plano de educação como um instrumento
de introdução da racionalidade na
educação visando dar-lhe
organicidade, isto é, organizando-a na forma de sistema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário