Atmosfera e recepção numa
experiência com o teatro na Alemanha
Claudio Cajaiba
Tratar
de recepção do teatro remete às origens deste fenômeno, localizadas pelas
referências históricas na Grécia, especificamente na noção de catarse
identificada na obra de Aristóteles. (p.1)
A
participação emocional do leitor/espectador depende dessa individualização,
desse recorte sensível antropomórfico, desse enraizar de cada palavra num
desejo e numa intenção (...). No drama não se vê a linguagem, mas o agente que
a produz, de onde vem a dificuldade de encará-lo como texto e o engano de ver
no diálogo e nas indicações cênicas uma espécie de ‘notação teatral’ (...).
(p.1)
A “metáfora cênica” referida por Mendes – pode-se argumentar
– tem sido a maior responsável pelo trânsito dos textos dramáticos pelo mundo.
Esse universo metafórico abre precedentes para novas metaforizações, fazendo
com que um mesmo drama se transforme em tantos outros, com que atmosferas sejam
reconstituídas de modos diferentes, como será discutido adiante. (p.1)
Em sua tese de doutoramento, “A gargalhada de
Ulisses”, Mendes escreveu: “A plateia se vinga de certos tipos sociais
ou padrões repressivos...” (Mendes, 2001, p. 301). Em 14 de setembro de 2002,
no Jornal O Globo, Arnaldo Jabor descreveu suas impressões após assistir ao
filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles: “Fui ver o filme e saí
modificado. Nós não vemos esse filme; esse filme nos vê”. (p.2)
Jabor parece corroborar o pensamento de Manoel de
Barros que, em seu poema Uma didática da invenção, afirmou: “as coisas
não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis” (Barros, 2001).
Essas três formulações prevêem um lugar para o receptor, que o
privilegia. A partir da asserção de Barros, pode-se inferir que entre estas
“coisas” está o teatro, que às vezes tem sido vítima de discursos razoáveis,
para não dizer viciados. (p.2)
Para que as coisas e o teatro deixem de ser vistas
por pessoas razoáveis é preciso que o discurso sobre eles também deixe de ser
“razoável”. É preciso que a recepção seja vista como livre das amarras impostas
pelo romantismo, que pressupõe o artista genial e o receptor ignaro. (p.2)
Mas não há mais dúvidas de que o espectador adquiriu um novo status, um
novo lugar, na teoria que se produz hoje sobre as artes cênicas. As diferentes
experiências cênicas que habitam o mundo de hoje exigem essa reflexão. (p.2)
Como advertiu Hans-Thyes Lehmann, “essa é uma
questão central” para as artes cênicas, já que nos acostumamos a pensar com
conceitos, esquecendo-se que pintar, dançar, representar é também uma forma de
pensar. E propõe:
“É isso que
devemos evitar, e isso é que fez com que o discurso acadêmico sobre o teatro se
tornasse tão monótono, enquanto alguns filósofos desenvolveram uma teoria muito
mais genuína, e próxima da arte, do que das pessoas que estavam se ocupando do
teatro”
(Lehmann, 2003, p. 18). (p.2)
Nestas situações, identifica-se “o uso vago do
termo atmosfera”. Ele lembra que o uso da linguagem cotidiana é, às vezes, até
mais precisa do que os discursos especializados. E por isso defende que a
expressão atmosfera seja “aplicada ao homem, ao espaço e à natureza” e assim se
possa falar
“da atmosfera serena de uma manhã de primavera ou da atmosfera
ameaçadora de um céu antes de uma tempestade. Pode-se falar de uma atmosfera
lírica de um vale ou da aconchegante atmosfera de um jardim. Ou da atmosfera
confortável e envolvente de uma sala, o que se sente logo que se entra nela,
mas de cuja atmosfera relaxante também se pode usufruir. Ou mesmo de uma
pessoa, sobre a qual se possa dizer, que ela demonstra uma atmosfera
impressionante, de um homem ou de uma mulher que nos envolve com sua atmosfera
erótica, por exemplo” (idem). (p.3)
Por uma
nova estética a partir do conceito de aura
Apesar da denominação “nova estética”, o filósofo
contemporâneo lembra que através de Goethe se pode dizer que “a estética faz
uma grande diferença, que ela se aproxima de um saber, de uma ciência, e que
ela é uma porta através da qual se entra na vida”. (p.4)
Uma nova estética, assim, poderia ser formulada em
três modos: (i) “A estética até então predominante é uma estética do juízo, ou
seja, uma estética que não trata da experiência, ou da experiência sensitiva,
como o termo designava em sua origem grega”. (p.4)
A partir de um determinado momento histórico, a
teoria estética passou a integrar também uma função social ao promover a
discussão sobre a função das obras de arte. (p.4)
A obra vista como signo que se refere sempre a
outro signo, a um determinado significado, pressupõe um sentido
pré-determinado, quando, ao contrário, dever-se-ia perceber que uma obra de
arte é própria, que ela é portadora de uma realidade própria. Walter Benjamin
se refere, com seu conceito de aura, a uma atmosfera de distância e de
apreciação, que uma obra original proporciona. “Ele pretendia, com este
conceito, fazer uma distinção entre a obra original e sua reprodução, e
acreditava num desenvolvimento
próprio da arte que eliminasse essa noção de aura”, o que seria possível
com a expansão
da reprodução através dos novos meios de comunicação. (p.4)
De forma similar a vanguarda também adquiriu valor
de aura e passou a integrar o rol sagrado da arte. Mas, a despeito destas
consequências talvez indesejadas, conseguiram tornar claro que, “aquilo que faz
da obra de arte uma obra de arte, o que ela promove, não pode se restringir
apenas às propriedades originais desta obra”. (p.5)
“O que é aura? Poder-se-ia defini-la como a única
aparição de uma realidade longínqua, por mais próxima que ela possa estar. Em
uma tarde de verão, num momento de repouso, se alguém segue no horizonte, com o
olhar, uma linha de montanhas, ou um galho cuja sombra protege o seu descanso,
ele sente a aura destas montanhas, deste galho. Esta própria evocação permite
compreender, sem maiores dificuldades, os fatores sociais que provocaram a
decadência da aura” (idem, p. 26-7). (p.5)
(...) “Ela
se manifesta na natureza das coisas. O que equivale a dizer que se o observador
se entrega ao mundo das coisas, ele compartilha a aura destas coisas. Na
verdade a aura é algo manifesto, é uma percepção espacial, algo como um sopro,
um vapor – uma atmosfera.” (p.5)
O fato de ter vivido, estudado e trabalhado em
Berlim por quase três anos (de 2002 a 2004), de conhecer mais proximamente
aquele universo, me permitia certo distanciamento para perceber o
deslumbramento dos chineses, japoneses, coreanos, africanos, afegãos, indianos,
israelenses e tantas outras nacionalidades ali presentes pela primeira vez. (p.6)
Contudo, as opções metafóricas para a encenação do
drama de Próspero, Miranda e Fernando – como foi discutido pelo grupo de
latinos, após a apresentação, sob a atenção da nossa guia em Berlim (que
precisava transmitir as impressões em relatório para o Instituto Goethe) –
exibiam um primor tecnológico na cenografia, como poucas vezes se vê pelas
bandas de cá. Supostamente inspirada na versão cinematográfica de Peter
Greenway intitulada Prospero’s Books, a montagem transcorria como se
saísse de um livro gigante sobre o palco, em pé, que abria e fechava suas
páginas para “descortinar” as distintas situações e os distintos locais onde se
passa o drama, com janelas e passagens nas páginas dos livros, numa atmosfera
lúdica e atraente. (p.7)
Nas cenas mais simples, como no monólogo inicial e
final de Próspero, interpretado pela veterana e talentosa atriz Hildegard
Schmahl, as situações que seu exílio na ilha impunham, pareciam mais palpáveis
e me envolviam mais como espectador, de fato, na atmosfera do universo dos
antigos reis, da vingança, da reconquista do trono, das traições, das
conspirações, da magia, do instinto animal dos homens, da gratidão, do
servilismo, das revelações de passado obscuro, da rivalidade entre grupos, do
romance “impossível” entre jovens, do happy end etc. Contudo, durante o
desenrolar da trama, os modernos recursos me remetiam muito mais ao universo
pop televisivo, jovial, frenético e por vezes até histérico. (p. 8)
A atmosfera proposta pelo dramaturgo, assimilada de
forma contundente pelo encenador, parece se resumir na sugestão que ele faz ao
espectador no programa do espetáculo: “Perceba simplesmente que tipo de ação
política, emocional ou filosófica a peça exerce sobre você. A peça significa
para cada espectador uma coisa diferente”. (p.9)
Se o dramaturgo de A cidade... sugere que a
“peça significa para cada espectador uma coisa diferente”, no caso de O
oráculo isso se intensifica; não se trata apenas de verificar que os
significados são diferentes, mas de que as experiências sinestésicas e sensitivas
para cada um também são diferentes. A peça/instalação foi ambientada numa estação
de trem abandonada, nas imediações da cidade de Berlim, próxima a uma estação
de metrô em funcionamento. (p.10)
Um misto de ficção e realidade, que fazia com que o
tempo transcorresse sem que se percebesse. Era grande o sentimento de
cumplicidade com aquilo tudo. E assim, cada um saía daquele espaço tendo
vivenciado um drama, uma história muito particular, muito genuína...
Lembrei-me, então, de outro filósofo alemão, Hans Georg Gadamer, que diz que a
experiência com a arte é o lugar mais confortável do homem no mundo, por
proporcionar uma clivagem, um desligamento de si, uma entrega ao outro. (p.11)
Comentário:
Primeiro
o autor conceitua os termos aura, atmosfera, estética, drama e catarse. Mas
especificamente atmosfera e estética. Até chegar no seu objetivo, que foi a sua
experiência com um evento teatral alemão, onde assistiu 19 espetáculos em 12
dias.
O
autor faz considerações sobre alguns espetáculos apresentados nesse encontro de
teatro. No início é relatado que a “metáfora cênica” tem sido a maior
responsável pelo transito dos textos dramáticos pelo mundo... esses dramas (um
mesmo drama) se transforma em tantos outros, com o que atmosferas sejam
reconstituídas de maneiras diferentes.
Em sua obra “A gargalhada de Ulisses”, Cleise Mendes escreveu que “a plateia
se vinga de certos tipos sociais ou padrões repressivos...”. Já Arnaldo Jabor assistiu
o filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e relata, “Fui ver o filme
e saí modificado.
Nós não vemos esse filme; esse filme nos vê”. Aos olhos do autor
(Cajaiba) Jabor parece corroborar com o pensamento de Manoel Bandera, que
afirma em seu poema que “as coisas não querem mais ser vistas por pessoas
razoáveis”.
Diante desses discursos surgem as perguntas; Quem
vê? O que esses espectadores veem? Em que condições estão vendo? Como eles
podem aprender com o que estão vendo? A recepção está relacionada a atitude e
atividade do espectador (público/observador) diante de determinado espetáculo.
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