Notas sobre a
experiência e o saber de experiência
Jorge Larrosa
Bondía
Universidade de
Barcelona, Espanha
Tradução de João
Wanderley Geraldi
Universidade Estadual de Campinas,
Departamento de Lingüística
O que vou lhes propor aqui
é que exploremos juntos outra possibilidade, digamos que mais existencial (sem
ser existencialista) e mais estética (sem ser esteticista), a saber, pensar a
educação a partir do par experiência/sentido. O que vou fazer em seguida
é sugerir certo significado para estas duas palavras em distintos contextos, e
depois vocês me dirão como isto lhes soa. O que vou fazer é, simplesmente,
explorar algumas palavras e tratar de compartilhá-las. E isto a partir da convicção de que as palavras
produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes
mecanismos de subjetivação. Eu creio no poder das palavras, na força das
palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras
fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não
pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma
suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar
não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido
ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos
acontece. (p.20)
O homem é um vivente com
palavra. E isto não significa que o homem tenha a palavra ou a linguagem como uma
coisa, ou uma faculdade, ou uma ferramenta, mas que o homem é palavra, que o
homem é enquanto palavra, que todo humano tem a ver com a palavra, se dá em
palavra, está tecido de palavras, que o modo de viver próprio desse vivente,
que é o homem, se dá na palavra e como palavra. (p.21)
Nomear o que fazemos, em
educação ou em qualquer outro lugar, como técnica aplicada, como práxis reflexiva
ou como experiência dotada de sentido, não é somente uma questão terminológica.
As palavras com que nomeamos o que somos, o que fazemos, o que pensamos, o que
percebemos ou o que sentimos são mais do que simplesmente palavras. E, por
isso, as lutas pelas palavras, pelo significado e pelo controle das palavras,
pela imposição de certas palavras e pelo silenciamento ou desativação de outras
palavras são lutas em que se joga algo mais do que simplesmente palavras, algo
mais que somente palavras. (p.21)
A informação não é
experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é
quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. (p.21)
A primeira coisa que
gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário separá-la da
informação. E o que gostaria de dizer sobre o saber de experiência é que
é necessário separá-lo de saber coisas, tal como se sabe quando se tem
informação sobre as coisas, quando se está informado. É a língua mesma que nos
dá essa possibilidade. (p.22)
Não deixa de ser curiosa a
troca, a intercambialidade entre os termos “informação”, “conhecimento” e “aprendizagem”.
Como se o conhecimento se desse sob a forma de informação, e como se aprender
não fosse outra coisa que não adquirir e processar informação. E não deixa de
ser interessante também que as velhas metáforas organicistas do social, que
tantos jogos permitiram aos totalitarismos do século passado, estejam sendo
substituídas por metáforas cognitivistas, seguramente também totalitárias,
ainda que revestidas agora de um look liberal democrático. (p.21)
O periodismo é a fabricação
da informação e a fabricação da opinião. E quando a informação e a opinião se
sacralizam, quando ocupam todo o espaço do acontecer, então o sujeito
individual não é outra coisa que o suporte informado da opinião individual, e o
sujeito coletivo, esse que teria de fazer a história segundo os velhos
marxistas, não é outra coisa que o suporte informado da opinião pública. Quer
dizer, um sujeito fabricado e manipulado pelos aparatos da informação e da
opinião, um sujeito incapaz de experiência. E o fato de o periodismo destruir a
experiência é algo mais profundo e mais geral do que aquilo que derivaria do
efeito dos meios de comunicação de massas sobre a conformação de nossas
consciências. (p.21)
O par informação/opinião é
muito geral e permeia também, por exemplo, nossa ideia de aprendizagem, inclusive
do que os pedagogos e psicopedagogos chamam de “aprendizagem significativa”.
Desde pequenos até a universidade, ao largo de toda nossa travessia pelos
aparatos educacionais, estamos submetidos a um dispositivo que funciona da
seguinte maneira: primeiro é preciso informar-se e, depois, há de opinar, há
que dar uma opinião obviamente própria, crítica e pessoal sobre o que quer que
seja. A opinião seria como a dimensão “significativa” da assim chamada “aprendizagem
significativa”. A informação seria o objetivo, a opinião seria o subjetivo, ela
seria nossa reação subjetiva ao objetivo. Além disso, como reação subjetiva, é
uma reação que se tornou para nós automática, quase reflexa: informados sobre
qualquer coisa, nós opinamos. Esse “opinar” se reduz, na maioria das ocasiões,
em estar a favor ou contra. (p.22)
Quer estar permanentemente excitado
e já se tornou incapaz de silêncio. Ao sujeito do estímulo, da vivência
pontual, tudo o atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o choca, mas nada
lhe acontece. Por isso, a velocidade e o que ela provoca, a falta de silêncio e
de memória, são também inimigas mortais da experiência. Nessa lógica de
destruição generalizada da experiência, estou cada vez mais convencido de que
os aparatos educacionais também funcionam cada vez mais no sentido de tornar impossível
que alguma coisa nos aconteça. Não somente, como já disse, pelo funcionamento perverso
e generalizado da par informação/opinião, mas também pela velocidade. (p.23)
Em quarto lugar, a
experiência é cada vez mais rara por excesso de trabalho. Esse ponto me parece importante
porque às vezes se confunde experiência com trabalho. Existe um clichê segundo
o qual nos livros e nos centros de ensino se aprende a teoria, o saber que vem
dos livros e das palavras, e no trabalho se adquire a experiência, o saber que
vem do fazer ou da prática, como se diz atualmente. (p.23)
O sujeito moderno, além de
ser um sujeito informado que opina, além de estar permanentemente agitado e em
movimento, é um ser que trabalha, quer dizer, que pretende conformar o mundo,
tanto o mundo “natural” quanto o mundo “social” e “humano”, tanto a “natureza
externa” quanto a “natureza interna”, segundo seu saber, seu poder e sua
vontade. O trabalho é esta atividade que deriva desta pretensão. O sujeito
moderno é animado por portentosa mescla de otimismo, de progressismo e de
agressividade: crê que pode fazer tudo o que se propõe (e se hoje não pode,
algum dia poderá) e para isso não duvida em destruir tudo o que percebe como um
obstáculo à sua onipotência.
(p.24)
Nós somos sujeitos ultra-informados,
transbordantes de opiniões e superestimulados, mas também sujeitos cheios de
vontade e hiperativos. (p.24)
A experiência, a
possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de
interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer
parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar,
olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais
devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo,
suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a
delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece,
aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar
muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (p.24)
O sujeito da experiência se
define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade,
por sua disponibilidade, por sua abertura. Trata-se, porém, de uma passividade
anterior à oposição entre ativo e passivo, de uma passividade feita de paixão,
de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como
uma disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial. O sujeito da
experiência é um sujeito “ex-posto”. Do ponto de vista da experiência, o
importante não é nem a posição (nossa maneira de pormos), nem a “o-posição”
(nossa maneira de opormos), nem a “imposição” (nossa maneira de impormos), nem
a “proposição” (nossa maneira de propormos), mas a “exposição”, nossa maneira
de “ex-pormos”, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso
é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se
propõe, mas não se “ex-põe”. É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe
passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca,
nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre. (p.25)
A palavra experiência vem
do latim experiri, provar (experimentar). A experiência é em primeiro
lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova.
(p.25)
A palavra experiência tem o
ex de exterior, de estrangeiro, de exílio, de estranho e também o ex de
existência. A experiência é a passagem da existência, a passagem de um ser que
não tem essência ou razão ou fundamento, mas que simplesmente “ex-iste”
de uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente. (p.25)
Em Heidegger (1987)
encontramos uma definição de experiência em que soam muito bem essa exposição,
essa receptividade, essa abertura, assim como essas duas dimensões de travessia
e perigo que acabamos de destacar: [...] fazer uma experiência com algo
significa que algo nos acontece, nos alcança; que se apodera de nós, que nos tomba
e nos transforma. Quando falamos em “fazer” uma experiência, isso não significa
precisamente que nós a façamos acontecer, “fazer” significa aqui: sofrer,
padecer, tomar
o que nos alcança receptivamente, aceitar, à medida
que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência quer dizer, portanto,
deixar-nos abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e
submetendo-nos a isso. Podemos ser assim transformados por tais experiências,
de um dia para o outro ou no transcurso do tempo. (p. 143)
É ex-periência aquilo que
“nos passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e
nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua
própria transformação. (p.26)
Se a experiência é o que
nos acontece, e se o sujeito da experiência é um território de passagem, então
a experiência é uma paixão. Não se pode captar a experiência a partir de uma
lógica da ação, a partir de uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto
sujeito agente, a partir de uma teoria das condições de possibilidade da ação,
mas a partir de uma lógica da paixão, uma reflexão do sujeito sobre si mesmo
enquanto sujeito passional. E a palavra paixão pode referir-se a várias
coisas. (p.26)
O sujeito passional não é
agente, mas paciente, mas há na paixão um assumir os padecimentos, como um
viver, ou experimentar, ou suportar, ou aceitar, ou assumir o padecer que não
tem nada que ver com a mera passividade, como se o sujeito passional fizesse
algo ao assumir sua paixão. (p.26)
O saber de experiência se
dá na relação entre o conhecimento e a vida humana. De fato, a experiência é
uma espécie de mediação entre ambos. (p.27)
Este é o saber da
experiência: o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai
lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao
acontecer do que nos acontece. (p.27)
O acontecimento é comum, mas
a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de
ser repetida. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do
indivíduo concreto em quem encarna. (p.27)
Por isso, também o saber da
experiência não pode beneficiar-se de qualquer alforria, quer dizer, ninguém
pode aprender da experiência de outro, a menos que essa experiência seja de
algum modo revivida e tornada própria. A primeira nota sobre o saber da
experiência sublinha, então, sua qualidade existencial, isto é, sua relação com
a existência, com a vida singular e concreta de um existente singular e
concreto. A experiência e o saber que dela deriva são o que nos permite apropriar-nos
de nossa própria vida. (p.27)
A experiência já não é o
meio desse saber que forma e transforma a vida dos homens em sua singularidade,
mas o método da ciência objetiva, da ciência que se dá como tarefa a
apropriação e o domínio do mundo. (p.28)
Uma vez vencido e
abandonado o saber da experiência e uma vez separado o conhecimento da existência
humana, temos uma situação paradoxal. (p.28)
Se o experimento é repetível, a experiência é
irrepetível, sempre há algo como a primeira vez. (p.28)
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