Uma incursão pela estética da
recepção
Edélcio Mostaço
A estética da recepção constituiu-se num tourning
point em relação aos estudos literários e – por extensão – aos demais
formatos artísticos e culturais que giram em torno da mimesis, da
narrativa e das imagens como materiais expressivos. A recepção não é uma
dimensão individual, mas um fenômeno coletivo, resultante das manifestações
advindas das interpretações singulares ou grupais, dimensionada através das práticas
de leitura e agenciamentos históricos efetuados sobre textos e autores. (p.1)
A partir de três ângulos privilegiados – a poiesis,
a aisthesis e a katharsis – percorrendo o processo dialógico que
envolve o artista e o espectador, fica claro que, mesmo dispensando ênfase à
estrutura de significados e interações comunicativas advindas com a obra, a
estética da recepção é uma operação comprometida com o processo artístico.
(p.1)
Ou seja, as questões relativas aos sentidos
provocados pela obra dependem sempre de um contexto e eles são mutáveis, em
função das circunstâncias de leitura. (p.2)
“A dificuldade não está em compreender que a arte
grega e a epopéia estão ligadas acertas formas de desenvolvimento social. A
dificuldade reside no fato de nos proporcionarem ainda um prazer estético e
de terem para nós, em certos aspectos, o valor de normas e de modelos inacessíveis”.
Ou seja, ele reconhece que a obra
artística detém qualidades autônomas intrínsecas e mobiliza fenômenos de
percepção, em modo
trans-histórico, que a isolam e projetam em relação ao determinismo
materialista, em função dos agenciamentos desencadeados quando do fenômeno da
fruição, fato por ele reiterado ao discorrer sobre a constituição do sujeito:
“O objeto de arte, tal como qualquer outro produto, cria um público capaz de
compreender a arte e de apreciar a beleza. Portanto, a produção não cria
somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto”. (p.3)
Santo Agostinho e Tertuliano, nos alvores da
cristandade, invectivaram a seu favor, atacando a ilusão presente nos
espetáculos; num viés posteriormente reiterado quer por jansenistas quer por
jesuítas, cujas proposições permearam as famosas polêmicas que atravessam o
classicismo francês; e cujo formato mais acabado está em Rousseau e sua Carta
a d’Alembert Sobre os Espetáculos, onde pela vez primeira essa questão da
ilusão teatral é associada à manipulação de classe. (p.4)
Estabelecendo vários graus e modalidades de
empatia, ele distingue, por exemplo, a atilada postura de Brecht, salientando
como o dramaturgo alemão soube manipular “um reconhecimento do efeito e da
recepção da obra literária”, ainda que orientando sua produção para a educação
do espectador ao invés do prazer estético, transformando a empatia numa atitude
reflexiva e crítica. (p.4)
A estética da recepção parte do pressuposto de que
a arte é um fazer, uma construção e, como tal, infunde uma dada relação com o
leitor/espectador. (p.4)
Alguns conceitos formulados por tais autores são
especialmente invocados, como o da arte como construção, como procedimento,
como estranhamento, paródia (enquanto desautomação), uma vez que implicam na
relação estabelecida com o leitor/espectador. (p.4)
Mesmo propostas estéticas que almejam o
distanciamento, o estranhamento, a
ironia (como o dadaísmo, o surrealismo ou Brecht) necessitam partir, no
plano da experiência, de uma identificação inicial. (p.5)
Ora, o sensível que entra em comunhão com o
sentimento, não é somente o da obra de arte; é também o que Merleau-Ponty chama
de ‘a carne do mundo’. Toda carne do mundo pode ser experimentada como objeto
estético, até mesmo o porta-garrafa de Duchamp, embora algumas coisas sejam
mais que outras, pois o gosto não estetiza soberanamente ou arbitrariamente;
ele responde a uma solicitação do objeto: a água não chama o gosto como o vinho
nem porta garrafa como uma estátua. [...] é aderir a uma comunhão carnal com
todas as zonas erógenas do sensível” (Dufrenne, 1976, p. 16). (p.5)
Essa fronteira cognitiva, saber-falso/crer-verdade,
que marca a separação entre o interior e o exterior do teatro, [...] é a mesma
que estabelece a diferença intrínseca e substancial entre as emoções estéticas
reais e a emoções teatrais. As últimas são emoções estéticas, cuja intensidade e
qualidade são determinadas, por uma parte, pelos bem conhecidos fatores
pragmáticos (ou contextuais) da relação teatral, e por outra parte, pelos
aspectos materiais-expressivos-estilísticos do texto espetacular” (De Marinis,
2005, p. 100). (p.6)
De modo que a recepção, na atualidade, diz respeito
a um sem número de agenciamentos no vasto território da cena, apresentando subsídios
quer para a pedagogia quer para a história, quer para a sóciosemiótica quer
para a análise dos discursos, fomentando plataformas que estão alargando os
estudos teatrais. (p.6)
Comentário:
A estética da recepção propõe a reformulação e o
rompimento com o exclusivismo da representação da estética tradicional. A proposta
estética precisa partir de uma experiência, de uma identificação inicial
considerando a relação entre autor, obra e leitor.
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